Morreu Belmiro de Azevedo. Foi um Homem que não se limitou a passar pela vida. Obrigou a vida a passar por ele. Foi, e deve continuar a ser, um exemplo de referência também para os políticos e empresários de Angola. Ter carácter para prestigiar os cargos públicos foi uma das suas lições.
Por Orlando Castro
Como o Folha 8 aqui escreveu hoje, Isabel dos Santos disse que “Belmiro de Azevedo deixa no mundo empresarial português, e em todos os que consigo se cruzaram, uma marca indelével, de determinação, trabalho, capacidade de concretização e liderança”.
Por regra, o que nos parece uma qualidade, Belmiro de Azevedo não reagia, agia. Tinha o coração ao pé da boca. Dizia o que pensava, mesmo sabendo que essa era a melhor forma de arranjar inimigos. Mas também era para esse lado que ele dormia melhor.
Há uns anos (por serem muitos não deixam de ser actuais) Belmiro considerou que Portugal perdeu uma geração “excelente” de representantes do Estado e membros da Assembleia da República que tinham uma vida “conhecida e apenas o desejo” de prestigiar os cargos.
E trocou por miúdos: “Hoje a maioria da Assembleia da República é outro tipo completamente diferente. As pessoas falam apenas para as plateias”.
Na opinião de Belmiro de Azevedo, a primeira Assembleia da República “é irrepetível, pois era composta por pessoas que tinham uma vida muito conhecida e que não tinham outro desejo que não fosse o de prestigiar os cargos”.
Dizem os jornalistas que o ouviram, que o presidente da Sonae escusou-se a definir os actuais representantes do Estado ou os membros da Assembleia da República. Nem era preciso. Para essa definição, mesmo sem ser por via do “jornalismo interpretativo”, basta levar em conta que os avoengos da espécie que hoje está no poder “não tinham outro desejo que não fosse o de prestigiar os cargos”.
Entre muitas outras coisas, recordamo-nos que Belmiro de Azevedo afirmou no dia 22 de Maio de 2009 que “estar empregado deve satisfazer praticamente toda a gente neste momento” e garantiu que “não há emprego para quem quer estar a passar os fins-de-semana com os pés na água”.
Tinha e tem completa razão. Tal como tinha quando afirmou que “um subalterno tem o dever de questionar uma ordem do chefe e, se for o caso, dizer-lhe que não é suficientemente competente”.
Falando no Porto à margem da cerimónia em que foi agraciado com o grau de doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto, Belmiro de Azevedo admitiu que os trabalhadores não têm que “aceitar tudo”, mas salientou que “também não podem manter reivindicações quando não há nada para reivindicar e ninguém para pagar”.
“Se fechar a empresa o que é que vão fazer? Deve haver uma mudança no relacionamento entre sindicatos e empregadores. Há emprego onde for possível estar empregado, não há emprego para quem quer estar a passar os fins-de-semana com os pés na água”, disse.
Segundo o “patrão” da Sonae, “nos países que têm uma relação com os trabalhadores muito mais transparente, agressiva e pró-desenvolvimento, as pessoas mexem-se mais depressa e a economia começa a trabalhar mais depressa”.
Deve ser por isso que a velocidade em Portugal é devagar, parado ou em marcha atrás, sendo que a nossa em Angola é só mesmo para trás.
“Nos países como Portugal e os nórdicos, onde as pessoas têm um discurso muito concentrado nos direitos adquiridos, qualquer dia estão agarradas a um caco muito pequenino no meio do mar e vão ao fundo com o caco”, alertou.
Para Belmiro, “o direito ao emprego deve existir, mas é preciso ser empregado e é preciso que o empregador exista também. Se o empregador desaparece o barco vai ao fundo”.
No que diz respeito à Sonae, o empresário dizia que não tem “praticamente” havido despedimentos porque o grupo “cresceu muito”, mas admitiu que, “se acabar o crescimento ou reduzir a procura, o emprego tem que estar ajustado à actividade económica”.
“Mas em Portugal ainda estamos a conseguir, mesmo quando há uma pequena empresa que deixa de ser competitiva, recolocar essas pessoas noutras áreas da Sonae ou até em nossos clientes”, acrescentou.
Se calhar foi graças a essa tese de que “um subalterno tem o dever de questionar uma ordem do chefe e, se for o caso, dizer-lhe que não é suficientemente competente”, que Belmiro construiu o seu império.
Belmiro sabia que um chefe não é só o que manda – é sobretudo o que dá o exemplo. Sabia que a crítica não significa desobediência. Sabia que tinha de se rodear de massa crítica, pois para dizer sempre que “sim” bastava-lhe a própria sombra.
Ora, tal como a nossa Assembleia Nacional, o Governo está (está assim há 42 anos) cheio de “sombras”. E está este como estão os restantes órgão da sociedades e organismos criados para dar emprego a generais, ex-políticos e candidatos a políticos do partido que tomou conta do país, o MPLA.
“Sombras” que vivem religiosamente à custa das bênçãos, das cunhas, e dos padrinhos que, por regra, já chegaram a chefes do estado-maior.
Com um país assim, onde são (quase) sempre os mesmos a ter acesso ao poder, sendo todos os outros relegados para fora de jogo, só há duas possibilidades: ter ideias, coluna vertebral e pensar pela própria cabeça e ser marginalizado ou ser sombra e filiar-se no MPLA.